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segunda-feira, 30 de novembro de 2009



"O que me dói não é
o que há no coração
mas essas coisas lindas
que nunca existirão."

Fernando Pessoa


Sempre te busco,
nunca te encontro.
Que nuvem densa,
múltipla e vária,
te oculta aos olhos
que te sonharam?

E vão te chamo.
Eco perdido,
a voz retorna.
Frágil e tímida,
deu volta ao mundo.
Não te encontrou.

Meu pensamento
sobe bem alto,
sobe mais alto.
Espelho mágico,
mostra-te aos astros.
Nenhum te viu.

Ninguém te viu,
nem te verá.
Morres comigo.


Emílio Moura

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Nunca houve palavras


Nunca houve palavras para gritar a tua ausência

Apenas o coração
Pulsando a solidão antes de ti
Quando o teu rosto dóia no meu rosto
E eu descobri as minhas mãos sem as tuas
E os teus olhos não eram mais
que um lugar escondido onde a primavera
refaz o seu vestido de corolas.

E não havia um nome para a tua ausência.

Mas tu vieste.

Do coração da noite?
Dos braços da manhã?
Dos bosques do Outono?

Tu vieste.
E acordas todas as horas.
Preenches todos os minutos.
acendes todas as fogueiras
escreves todas as palavras.

Um canto de alegria desprende-se dos meus dedos
quando toco o teu corpo e habito em ti
e a noite não existe
porque as nossas bocas acendem na madrugada
uma aurora de beijos.

Oh, meu amor,
doem-me os braços de te abraçar,
trago as mãos acesas,
a boca desfeita
e a solidão acorda em mim um grito de silêncio quando
o medo de perder-te é um corcel que pisa os meus cabelos
e se perde depois numa estrada deserta
por onde caminhas nua.
Como se estivesses triste

Joaquim Pessoa





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segunda-feira, 9 de novembro de 2009

contigo


nas brumas do escuro mar
ou nas areias frias de um deserto
num breve segundo, a eternidade
nas tristes sombras da saudade
impensada dor da minha treva

depois, de tão cansada caminhada
de solitária dor, alma sofrida
pelos caminhos rudes desta lida
contigo, em meus braços, minha vida,
...impensada luz da minha treva

reginahelena
(sem verbo)

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

VOLTA DE PASSEIO


Assassinado pelo céu,
entre as formas que vão para serpente
e as formas que buscam o cristal,
deixarei crescer os meus cabelos.

Com a árvore de tocos que não canta
e o menino com o branco rosto de ovo.

Com os animaizinhos que a cabeça rota
e a água esfarrapada dos pés secos.

Com tudo o que tem cansaço surdo-mudo
e mariposa afogada no tinteiro.

Tropeçando com meu rosto diferente de cada dia.
Assassinado pelo céu!

García Lorca

Ya nunca olvidaré


Ya nunca olvidaré
Pero quién habla de olvido
en la prisión en que tu ausencia me deja
en la soledad en que este poema me abandona
en el destierro en que me encuentra cada hora

Ya nunca despertaré
Ya no resistiré el asalto de las inmensas olas
que vienen del dichoso paisaje que tú habitas
Demorándome afuera bajo el frío nocturno me paseo
sobre esta encumbrada tabla de donde se cae de golpe

Yerto bajo el espanto de sueños sucesivos y agitado en el viento
de años de ensueño
prevenido de aquello que termina por encontrarse muerto
en el umbral de castillos abandonados
en el lugar y a la hora convenidos pero inhallables
en las llanuras fértiles del paroxismo
y del único objetivo
este nombre antes adorado
en el cual pongo toda mi destreza en deletrear
siguiendo sus transformaciones alucinatorias
Así una espada atraviesa de parte a parte una bestia
o bien una ensangrentada paloma cae a mis pies
convertidos en roca de coral sustento de despojos
de aves carnívoras

Un grito repetido en cada teatro vacío a la hora del inefable espectáculo
Un hilo de agua que danza ante el telón de terciopelo rojo
en las llamas de las candilejas
Desaparecidos los bancos de la platea
acumulo tesoros de madera muerta y de vivas hojas de plata
corrosiva
No se contenta ya con aplaudir se aúlla mil familias momificadas
tornan innoble el paso de una ardilla

Decoración amada donde veía equilibrarse una fina lluvia
encaminándose veloz hasta el armiño
de una pelliza abandonada en el calor de un fuego de alba
que intentaba dirigir sus quejas al rey
así abro por completo la ventana sobre las nubes vacías
reclamando a las tinieblas inundar mi rostro
borrar la tinta indeleble
el horror del ensueño
a través de los patios abandonados a las pálidas vegetaciones maniáticas

En vano exijo la sed al fuego
en vano hiero las murallas
a lo lejos caen los telones precarios del olvido
agostados
ante el paisaje retorcido en la tempestad

César Moro
De "Lettre d'amour

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Primavera...




Há uma primavera em cada vida:
é preciso cantá-la assim florida,
pois se Deus nos deu voz, foi para cantar!
E se um dia hei-de ser pó, cinza e nada,
que seja a minha noite uma alvorada,
que me saiba perder...para me encontrar....

Florbela Espanca

Bastava-nos amar. E não bastava.




Bastava-nos amar. E não bastava
o mar. E o corpo? O corpo que se enleia?
O vento como um barco: a navegar.
Pelo mar. Por um rio ou uma veia.

Bastava-nos ficar. E não bastava
o mar a querer doer em cada ideia.
Já não bastava olhar. Urgente: amar.
E ficar. E fazermos uma teia.

Respirar. Respirar. Até que o mar
pudesse ser amor em maré cheia.
E bastava. Bastava respirar

a tua pele molhada de sereia.
Bastava, sim, encher o peito de ar.
Fazer amor contigo sobre a areia.


Joaquim Pessoa
in Português Suave

Amor silêncio



Amor silêncio amargo a roçar-me a morte
grito partido do vidro sobre o peito
ilha deserta no meio das capitais do norte
grilhetas ajustadas no rio em que me deito.

Distância cumulada remanso duma espera
ponte de aventura do dois à unidade
amor brilho raiando a chave do desejo
minuto adormecido ao pé da eternidade.

Amor tempo suspenso, ó lânguido receio,
no pranto do meu canto és a presença forte
estame estremecido dissimulado anseio
amor milagre gesto incandescente porte.

Amor olhos perdidos a riscar desenhos
em largo movimento o espaço circular
amor segundo breve, lanceta, tempo eterno
no rápido castigo da lua a gotejar.


Salette Tavares

Vigilância



A estrela que nasceu trouxe um presságio triste:
inclinou-se o meu rosto e chorou minha fronte:
que é dos barcos do meu horizonte?

Se eu dormir, aonde irão esses errantes barcos,
dentro dos quais o destino carrega
almas de angústia demorada e cega?

E como adormecer nesta Ilha em sobressalto,
se o perigo do mar no meu sangue se agita,
e eu sou, por quem navega, a eternamente aflita?

E que deus me dará força tão poderosa
para assim resistir todas a vida desperta
e com os deuses conter a tempestade certa?

A estrela que nasceu tinha tanta beleza
que voluntariamente a elegeu minha sorte.
Mas a beleza é o outro perfil do sofrimento,
e só merece a vida o que é senhor da morte.


Cecília Meireles
in Mar Absoluto

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Poema àquela certeza



É esta certeza que o tempo intercepta
– grave rumor do salgueiro ao vento
vento rumor próprio do tempo.

É esta certeza que o rio desenha
na água o vidro....no fundo a sombra
sombra da sombra que se faz na água.

É esta certeza que o vento impele
na água a folha ....no fio do tempo
tempo do tempo que o rio engendra.

É esta certeza que o rumor acende
e deixa no ar redemoinhos
círculos de vento que o vento leva.


Vieira Calado

Canto Esponjoso


Canto Esponjoso

Bela
esta manhã sem carência de mito,
E mel sorvido sem blasfémia.

Bela
esta manhã ou outra possível,
esta vida ou outra invenção,
sem, na sombra, fantasmas.

Humidade de areia adere ao pé.
Engulo o mar, que me engole.
Calvas, curvos pensamentos, matizes da luz
azul
completa
sobre formas constituídas.

Bela
a passagem do corpo, sua fusão
no corpo geral do mundo.
Vontade de cantar. Mas tão absoluta
que me calo, repleto.

Carlos Drummond de Andrade

Meu ser evaporei na lida insana



Meu ser evaporei na lida insana
do tropel de paixões que me arrastava:
Ah! Cego eu cria, ah! mísero eu sonhava
em mim quase imortal a essência humana.

De que inúmeros sóis a mente ufana
existência falaz me não dourava!
Mas eis sucumbe Natureza escrava
ao mal, que a vida em sua origem dana.

Prazeres, sócios meus e meus tiranos!
Esta alma, que sedenta e si não coube,
no abismo vos sumiu dos desenganos.

Deus, ó Deus!... Quando a morte à luz me roube
ganhe um momento o que perderam anos
saiba morrer o que viver não soube.

Bocage

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

NÃO MORRERAM, PARTIRAM PRIMEIRO


NÃO MORRERAM, PARTIRAM PRIMEIRO
(Amado Nervo)

Choras os teus mortos com tanto desalento
que parece até que és eterno

Eles não morreram, apenas partiram primeiro.

Como lobo faminto, te agitas impaciente, na ansiedade de desvendar os mistérios que poderão ser simples, transparentes e brilhantes aos quais terás acesso quando tu mesmo morreres.

Eles não morreram, apenas partiram primeiro, diz sabiamente o provérbio inglês.

Eles partiram antes... Por que insistis em questionar o porque?

Deixa-os sacudir o pó da estrada.

Deixa-os curar no colo do Pai os pés feridos da longa caminhada.

Deixa-os descansarem os olhos nos verdes pastos da paz.

Antes, preparas a tua bagagem, pois o comboio te espera.

E essa sim, é uma tarefa prática e eficiente.

Verás os teus mortos, e isso é um fato próximo e inevitável. Então não tenhas a menor pressa em alterar as poucas horas do teu descanso.

Eles, num impulso quebraram as barreiras do tempo e te esperam pacientemente.

Apenas foram num comboio anterior.

A morte é uma alegria, e esse conhecimento é dado por Deus aos que se aproximam dela, e oculto aos que ainda irão percorrer longa etapa de vida, para que sigam naturalmente o caminho.

Tradução livre por Regina Helena e Maria Madalena

AMOR INGLÓRIA



AMOR INGLÓRIA
(Genaura Tormin)

Eu queria te dar tanto carinho!
Esperar-te à sombra daquele ipê florido,
Bem pertinho da lagoa, lá curva do caminho.

E no aconchego de almas em desatino,
Num último beijo, selar a nossa história,
Ao arrepio da maldade do destino,
Que nos lançou a um amor inglória.

No desalento, ao romper da aurora,
Esse amor tão grande morrerá sozinho,
Em retalhos dispersos pelo vento frio,
Numa campa abandonada à beira do caminho.